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A MP da leniência

Conhecida como Lei Anticorrupção, ela cria regras para os acordos de leniência, por meio dos quais as empresas que confessarem participação em atos delituosos e oferecerem informação sobre eles escapam de penas mais graves, desde que se submetam ao

Dias atrás, a presidente Dilma Rousseff baixou a Medida Provisória 703/2015, que muda (e abranda) a Lei 12.846. Conhecida como Lei Anticorrupção, ela cria regras para os acordos de leniência, por meio dos quais as empresas que confessarem participação em atos delituosos e oferecerem informação sobre eles escapam de penas mais graves, desde que se submetam ao pagamento de multas e ao ressarcimento dos prejuízos que causaram. A MP recém-editada amplia as concessões, por exemplo zerando a multa para a primeira empresa a colaborar quando há várias delas envolvidas no mesmo delito. Mas o que mais chama a atenção é a determinação explícita de que as pessoas jurídicas que firmarem acordos de leniência não estarão sujeitas à declaração de inidoneidade, que lhes impediria de fazer negócios com o poder público.

Dilma e o PT chegaram a espalhar a tese de que a culpa pela recessão, pelo desemprego e pela inflação era da Operação Lava Jato, que pôs na cadeia importantes dirigentes das maiores empreiteiras do país. Com seus donos presos e suas empresas carimbadas de inidôneas, as obras parariam, novos contratos não seriam firmados, a falência seria certa e o desemprego maciço seria o corolário trágico da saga, com inimagináveis efeitos multiplicadores.

A tese, além de desafiar a lógica mais básica, traz consigo um absurdo: o de que há empresas corruptas, dadas à propinagem de agentes públicos, mas que são “grandes demais para punir”. Se elas fossem atingidas, a bancarrota do país seria inevitável.

Ora, uma coisa é reconhecer a expertise técnica e administrativa que as empreiteiras acumularam ao longo de décadas. Elas não são um mal para o país; representam um patrimônio que não pode ser jogado ao lixo. Mas daí a defender que os atos de corrupção que praticaram devam parar sob tapetes há uma grande distância. A virtude está no meio: nem se deve aniquilá-las, nem se deve mantê-las impunes.

Era esse o espírito da Lei Anticorrupção, ao propor acordos de leniência com as empresas que, espontaneamente, confessassem seus delitos e oferecessem elementos às autoridades para a continuidade das investigações. Assim, a Lei Anticorrupção levava para o âmbito empresarial os mesmos fundamentos da delação premiada, que vem se aplicando, com êxito, para pessoas físicas, rés em processos por atos de corrupção.

Não há lei que nasça perfeita. É a experiência da sua aplicação prática que fornece aos legisladores elementos que permitem seu aprimoramento e adequação a situações novas. E os legisladores efetivamente vinham trabalhando em um projeto de lei com o mesmo teor da MP assinada por Dilma, fato que a própria presidente admitiu. Daí a estranheza com relação à pressa na edição da MP, que já atraiu questionamentos até mesmo quanto à sua constitucionalidade, pois o artigo 62 da Constituição proíbe a edição de MPs sobre direito penal, processual penal e processual civil.

Mas antes a perplexidade quanto à MP se devesse apenas à pressa. Fato é que a Operação Lava Jato tem demonstrado a existência de ligações para lá de perigosas entre as grandes empreiteiras (para as quais a MP acena com um conveniente alívio) e suas cúpulas diretivas com políticos e partidos – de modo especial, o PT – que dão sustentação ao mesmo governo que agora edita a MP 703. Além disso, há o risco de indesejável atentado à segurança jurídica. Apesar da provisoriedade, a MP produz efeitos imediatos, os quais podem perder validade caso ela não seja convertida em lei, jogando em um limbo eventuais acordos celebrados nesse intervalo.

Não se questiona, aqui, a capacidade de o poder público celebrar acordos de leniência. Mas não se pode ignorar que, ao editar a MP 703, o governo se precipita e, o que é mais grave, abre a possibilidade de que seu resultado final seja leniente demais com as empresas, ainda mais quando se usa o discurso de preservação de empregos e manutenção da atividade econômica. Pensar assim é aceitar o argumento do “grande demais para punir”, deixando a porta aberta para novos ilícitos e desperdiçando uma chance valiosa de moralização pública.


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